Por Catharina Pedrosa Lopes, Clarice Freitas Teófilo, Daísy Vanderline Espíndola, Felipe Moreira Azevedo, Laura Caroline de Carvalho da Costa, Letícia Aguilera Larrosa da Rocha, Luciene Gomes, Pamela Paris Avila e Wagner José Ferreira da Costa.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alain François et al.
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.
ESQUECIMENTO COMO MEMÓRIA:
...o esquecimento continua a ser a inquietante ameaça que se delineia
no plano de fundo da fenomenologia da memória e da epistemologia
da história. (RICOEUR, 2007, p. 423).
Em seu livro “A memória, a história, o esquecimento” (2007), Paul Ricoeur aborda que a
memória é algo considerável em uma sociedade e logo é essencial na coletividade ao pensarmos
no fato do ato do “esquecer”, pois dentro da teoria da memória, o ato de esquecer tambem faz
parte da mesma. O esquecimento é abordado pelo autor como um dano a confiabilidade da
memória, sendo assim a podemos definir como uma luta contra o esquecimento. Entretanto
lembrar e esquecer, sob o ponto de vista da filosofia e da historiografia contemporâneas,
adquiriram densidade e complexidade para além do que a memória tradicionalmente as idealiza.
Isto é, estes acontecimentos são igualmente resultados de determinadas condições históricas.
Ricoeur propõe que o ato de esquecer seja compreendido a partir de um eixo tanto vertical como
horizontal, procura enquadrar conceitualmente as relações problemáticas que entrelaçam a
história e a memória, o autor empreende uma reflexão filosófica sobre os paradoxos da própria
condição histórica, pois a história oficial lembra Ricoeur, é uma memória coletiva oficializada,
ou seja, uma memória ideológica, em vez de ser uma memória criticada.
MEMÓRIA E NARRATIVA:
Se podemos acusar a memória de se mostrar pouco confiável, é
precisamente porque ela é o nosso único recurso para significar o
caráter passado daquilo de que declaramos nos lembrar. Ninguém
pensaria em dirigir semelhante censura à imaginação, na medida em
que esta tem como paradigma o irreal, o fictício, o possível e outros
traços que podemos chamar de não posicionais. (RICOEUR, 2007, p.
40).
É possível assertir que a memória chega, muitas vezes, em forma de discurso, como reflexo da capacidade de expressão do indivíduo e da forma como o fato foi vivenciado. As experiências
de memória não podem, assim, ser desvinculadas do tempo e da expressão corporal de quem
vivencia o tempo e o espaço, uma vez que toda experiência de memória é uma relação
espaço-temporal.
Para Ricoeur (2007) entregue à crença de outro, o testemunho transmite à história a energia da memória declarativa. Mas a palavra viva da testemunha, transmutada em escrita, se funde na
massa dos documentos de arquivos que dependem de um novo paradigma “indiciário”, que
engloba os rastros de toda a natureza. É importante frisar que nem todos os documentos são
testemunhos e muitos acontecimentos reputados históricos nunca foram lembranças de
ninguém.
Ricoeur também (2007) aponta que a memória dos lugares é assegurada por atos corriqueiros,
mas tão importantes como orientar-se, deslocar-se, e, acima de tudo, habitar. É na superfície
habitável da terra que se conectam memória de viagens e visitas a locais memoráveis. “Coisas”
lembradas são intrinsecamente associadas a lugares. Não é por acaso que sobre um fato
acontecido, diz-se que “teve lugar”.
O estudo ordenado de Paul Ricoeur torna possível entender que a memória não deve ser
compreendida somente como a busca de uma imagem coesa - que muitas vezes corre o risco de
ser “inventada”. É no conjunto de narrativas – pessoais e coletivizadas – que a informação
ganha corpo e se pretende autêntica, pois é também pelos diversos viéses possíveis de um
mesmo evento que a história se tece.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva (2ª Edição). Tradução de Laurent Léon
Schaffter. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo/SP, 1990.
O livro original foi lançado em 1950, cinco anos após o autor ser assassinado em um campo de
concentração nazista na Alemanha. O texto é estruturado em introdução e quatro capítulos:
Memória coletiva e memória individual; memória coletiva e memória histórica; memória
coletiva e o tempo e memória coletiva e o espaço. A segunda edição, lançada em 1968, traz um
anexo: a memória coletiva dos músicos.
A Memória Coletiva e a Memória Individual
O autor traz as confrontações destes dois tipos de memória a partir dos diversos testemunhos acerca de um acontecimento, que podem “fortalecer ou debilitar, mas também para completar o que sabemos de um evento” (HALBWACHS, 1990. p.25). Segundo ele, “se nossa impressão
pode apoiar-se não somente sobre nossa lembrança, mas também sobre a dos outros, nossa
confiança na exatidão de nossa evocação será maior, como se uma mesma experiência fosse
recomeçada, não somente pela mesma pessoa, mas por várias” (HALBWACHS, 1990. p.25).
Afirma também que nossas lembranças são sempre coletivas, mesmo que estejamos
aparentemente sós: “não posso dizer que estava só, que refletia sozinho, já que em pensamento
eu me deslocava de um tal grupo para outro, (...) para melhor me recordar, eu me volto para
eles, adoto momentaneamente seu ponto de vista, (...) e encontro em mim muito das ideias e
modos de pensar a que não teria chegado sozinho” (HALBWACHS, 1990. p.26-27).
O autor mostra que estas testemunhas são necessárias para recordar uma memória incompleta, porém muitas vezes insuficientes. De acordo com ele, a união das memórias de um grupo de pessoas pode recriar com exatidão um acontecimento, porém “um depoimentos não nos
lembrará nada se não permanecer em nosso espírito algum traço do acontecimento passado”
(HALBWACHS, 1990. p.28). Portanto, pode-se dizer que esta memória só estará presente
enquanto permanecer viva no espírito do grupo. “Para que nossa memória se auxilie com a dos
outros (...) é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com suas memórias e
que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a lembrança que nos
recordam possa ser reconstruída sobre um fundamento comum” (HALBWACHS, 19590. p.34).
A memória deixa de ser individual e passa a ser coletiva, já que nunca é de um único indivíduo
apenas e não pode ser isolada de um grupo social.
Finalizando o primeiro capítulo, o autor traz A lembrança individual como limite das
interferências coletivas, mostrando que “nossas lembranças mais pessoais resultam da fusão
de elementos diversos e separados” (HALBWACHS, 1990. p. 51), que a memória individual é
sempre um ponto de vista sobre a memória coletiva.
Memória coletiva e memória histórica
Halbwachs traz “memória autobiográfica e memória histórica. A primeira se apoiaria na
segunda, pois toda história de nossa vida faz parte da história em geral. Mas a segunda seria,
naturalmente, bem mais ampla do que a primeira. Por outra parte, ela não nos representaria o
passado senão sob uma forma resumida e esquemática, enquanto que a memória de nossa vida
nos apresentaria um quadro bem mais contínuo e denso.” (HALBWACHS, 1990. p. 55)
Outro ponto importante trazido pelo autor é que “não é na história aprendida, é na história
vivida que se apóia nossa memória. Por história é preciso entender então não uma sucessão
cronológica de acontecimentos e de datas, mas tudo aquilo que faz com que um período se
distinga dos outros, e cujos livros e narrativas não nos apresentam em geral senão um quadro
bem esquemático e incompleto” (HALBWACHS, 1990. p. 60). Vemos que a história não é tida
como um elemento essencial para a preservação da memória, mas também entende-se que é a
partir da memória histórica que um fato exterior deixa sua impressão no indivíduo e, a partir
desta impressão, é possível recordar, desde que as lembranças individuais estejam lá
primeiramente.
Sobre memória histórica, história e ambientes e cidade, o autor fala: "Não basta, para evocá-la, procurar as placas que homenageiam as casas onde viveram e onde morreram alguns
personagens famosos dessa época, nem ler uma história das transformações de Paris. É na
cidade e na população de hoje que um observador observa bem os traços de outrora.”
(HALBWACHS, 19590. p. 69).
A memória coletiva e o tempo
O sociólogo inicia o capítulo com a divisão social do tempo e como estas nos parecem relativas, de acordo com o momento vivido e a memória gerada. “A sucessão do tempo, sua rapidez e seu ritmo, é apena a ordem necessária segundo a qual se encadeiam os fenômenos da natureza
material e do organismo. mas é também, e talvez sobretudo, porque as divisões do tempo (...)
exprimem também a ordem, inelutável, segundo a qual se sucedem as diversas etapas da vida
social”. (HALBWACHS, 1990. p. 90).
O autor faz a relação entre vários tempos: tempo social ou real, que é regido pelo calendário, tempo da vida cotidiana, abstrato, que é caracterizado pela percepção sobre os acontecimentos diários. "Há uma oposição fundamental entre o tempo real, individual ou social, e o tempo abstrato, e sequer é possível dizer, que à medida em que se torna mais social, o tempo real se aproxima deste” (HALBWACHS, 1990. p. 103).
Sobre a multiplicidade e heterogeneidade das durações coletivas, Halbwachs mostra que “A
memória coletiva avança, no passado até certo limite (...) segundo se trate deste ou daquele
grupo” (HALBWACHS, 1990. p. 109). Além deste limite, o autor trata como “história”, que
não leva em consideração a opinião dos grupos, pois esta opinião não existe mais.
"De fato todavia, há uma correspondência bastante exata entre todos esses tempos, ainda que
não possamos dizer que estejam adaptados um ao outro. (...) Porém, na realidade, não existe
um único calendário, exterior aos grupos e ao qual eles se refeririam. Há tantos calendários
quantas sociedades diferentes. (HALBWACHS, 1990. p. 114).
A memória coletiva e o espaço
Halbwachs entende que os diversos grupos sociais moldam o espaço em que estão inseridos,
assim como, ao mesmo tempo, se adaptam ao existente, à materialidade do lugar. Diz que todos
os detalhes do lugar tem sentido e significado para os membros deste grupo e apenas a estes,
que o vivem e experimentam a cada dia.
O grupo, em seu quadro espacial e o poder do bem material: os objetos materiais nos dão a
sensação de estabilidade e permanência, como uma sociedade silenciosa. Estes objetos são
como personagens de uma história, trazendo uma relação entre sujeito e objeto. E estes objetos
refletem a maneira de ser de um grupo, assim como o grupo transforma o espaço à sua própria
imagem. O lugar recebe essa marca que o grupo imprime nele e recebe o significado pois essas
formas materiais são, em última instância, aquilo que o grupo é. “Cada objeto encontrado, e o
lugar que ocupa no conjunto, lembram-nos uma maneira de ser comum a muitos homens, e
quando analisamos este conjunto (...) é como se dissecássemos um pensamento onde se
confundem as relações de uma certa quantidade de grupos” (HALBWACHS, 1990. p. 132).
O autor traz a ideia de que as pedras da cidade não são somente as pedras da cidade, mas todas as vivências que estas representam. São a forma de viver, como o grupo se organiza em torno da cidade e em torno do bem material e dos objetos. “(...) não é tão fácil modificar as relações que
são estabelecidas entre as pedras e os homens. Quando um grupo humano vive muito tempo em
lugar adaptado a seus hábitos, não somente os seus movimentos, mas também seus
pensamentos se regulam pela sucessão das imagens que lhe representam os objetos exteriores”.
(HALBWACHS, 1990. p. 136).
Sobre a aderência dos grupos ao seu lugar, o autor fala que é criada uma forte conexão entre sujeitos e o lugar que habitam, portanto sempre há uma resistência dos grupos quanto a deixar o local no qual estão estabelecidos. "Para eles, perder seu lugar no recanto de tal rua (...) seria
perder o apoio de uma tradição que os ampara, isto é, sua única razão de ser. Assim se explica
que de edifícios demolidos (...) sobrevivem por muito tempo alguns vestígios materiais, nem que
seja apenas o nome tradicional de uma rua.” (HALBWACHS, 1990. p. 138).
O sociólogo traz agrupamentos aparentemente sem bases espaciais: os jurídicos, econômicos e
religiosos. no espaço jurídico temos a noção do direito da propriedade, em que até para gerar um
documento, por exemplo, é necessário trabalhar com a ideia de moradia, residência. “As
relações jurídicas estão fundamentadas sobre o fato de que os homens têm direitos e podem
contrair obrigações que, pelo menos, em nossas sociedades, não parecem subordinados à
posição deles no meio exterior” (HALBWACHS, 1990. p. 139).
No espaço econômico se trabalha com a questão dos bens materiais, do valor do objeto, sendo
este o valor que um grupo dá a ele. O peso do valor da propriedade vai ser definido pela
coletividade, pela importância que o bem representa para o grupo social. “no plano econômico,
os homens são diferenciados, agrupados conforme qualidade ligada à pessoa e não ao lugar”
(HALBWACHS, 1990. p. 139). Os agrupamentos religiosos, por sua vez, trabalham com a
lembrança por certos lugares, as localizações e disposições dos objetos. A separação entre
sagrado e profano, por exemplo, se realiza dentro do espaço (relação entre externo e interno ao
templo). E quem dá vida ao objeto são os personagens que trazem vivências relacionadas a estes
ambientes. “Se dá o mesmo nas sociedades religiosas: elas repousam numa comunidade de
crenças que tem como objeto seres imateriais; essas associações estabelecem entre seus
membros laços invisíveis, e se interessam sobretudo pelo homem interior” (HALBWACHS,
1990. p. 139). Estes três agrupamentos vivem em torno de um ideal para poder se manter. E
todos estes grupos inspiram sua marca sobre o solo.
A inserção no espaço da memória coletiva: Halbwachs fala que não existe memória coletiva
sem um enquadramento do espaço do qual os personagens habitam. “Não há, com efeito, grupo,
nem gênero de atividade coletiva, que não tenha qualquer relação com um lugar”.
(HALBWACHS, 1990. p. 143). “Todo quadro tem, com efeito, uma moldura, mas não há
qualquer relação necessária e estreita entre uma coisa e outra” (HALBWACHS, 1990. p. 144).
Em síntese, Halbwachs traz o conceito de ‘memória coletiva’ como um processo de
reconstrução de um passado vivido por um grupo social. A memória é viva, dinâmica e está em
constante mudança. A memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva,
condicionada ao seu papel no grupo social e às relações com o ambiente. Os grupos sociais
estão sempre atualizando e complementando as lembranças individuais e coletivas, a partir de
debates e confrontos entre seus membros.
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Traduzido por: Dora Rocha Flaksman.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n 3, 1989, p. 3-15.
Seu texto é organizado em 5 partes: Memória, Esquecimento, Silêncio / Memoire, Oubli, Silence – Michael Pollak
Em seu texto Pollak (1989) inicia nos relembrando que a memória é feita por homens para os
homens, e que a função dela é de nos servir. Todavia em seu discurso, com base Maurice
Halbwachs1 (na análise da história coletiva), “enfatiza a força dos diversos pontos de referência
que estruturam nossa memória e que a inserem na memória da coletividade a quem
pertencemos.” Incluindo os monumentos, o patrimônio arquitetônico e seu estilo, as paisagens,
as datas e personagens históricas, as tradições e costumes, o folclore e a música e as tradições
culinárias. (POLLAK, 1989, p. 1).
Neste momento, do texto, sua abordagem - ligado a tradição durkheimiana - se conecta a uma, das variadas funções, do produto arquitetônico, o de aguçar a memória coletiva de um
determinado grupo. “(...) que consiste em tratar fatos sociais como coisas, torna-se possível
tomar esses diferentes pontos de referência como indicadores empíricos da memória coletiva de
um determinado grupo, uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, uma
memória também que, ao definir o que é comum a um grupo e o que, o diferencia dos outros,
fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais”
(POLLAK, 1989, p. 1).
Para Pollak, assim como em Maurice Halbawachs2 “a nação é a forma mais acabada de um
grupo, e a memória nacional, a forma mais completa de uma memória coletiva” (1989, p. 1).
Ou seja, hoje para além das memórias que existem ou são criadas, nos interessa saber mais
sobre quem as cria. Em outras palavras “numa perspectiva construtivista, não se trata mais de
lidar com os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas,
como e por quem eles são solidificados e dotados de duração e estabilidade” (POLLAK, 1989,
p. 2).
“Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral
ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas
minoritárias e dominadas, se opõem à "Memória oficial", no caso a memória nacional”
(POLLAK, 1989, p. 2).
A memória entra em disputa.
A Memória em Disputa / La Mémoire: un enjeu
Aqui são apresentados 3 exemplos do que ocorre quando a memória subterrânea emerge:
Ex. 1: “(...) após o XX Congresso do PC da União Soviética, quando Nikita Kruschev
denunciou pela primeira vez os crimes estalinistas” (POLLAK, 1989, p. 2).
Ex. 2: “o dos sobreviventes dos campos de concentração que, após serem libertados, retornaram
à Alemanha ou à Áustria” (POLLAK, 1989, p. 3).
2 M. Halbwachs, La mémoire collective, Paris, PUF, 1968.
1 M. Halbwachs, La mémoire collective, Paris, PUF, 1968.
Ex. 3: “Trata-se dos recrutados a força alsacianos, estudados por Freddy Raphael” (POLLAK,
1989, p. 5).
“Uma vez rompido o tabu, uma vez que as memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço
público, reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis se acoplam a essa disputa da
memória, no caso, as reivindicações das diferentes nacionalidades”. (POLLAK, 1989, p. 3).
“Embora na maioria das vezes esteja ligada a fenômenos de dominação, a clivagem entre
memória oficial e dominante e memórias subterrâneas, assim como a significação do silêncio
sobre o passado, não remete forçosamente a oposição entre Estado dominador e sociedade civil.
Encontramos com mais frequência esse problema nas relações entre grupos minoritários e
sociedade englobante” (POLLAK, 1989, p. 3).
A Função do “Não-Dito” / La fonction du “non-dit”
O que fica entendido, com base nos exemplos citados por Pollak (1989), é que “opondo-se à
mais legítima das memórias coletivas, a memória nacional, essas lembranças [memórias
subterrâneas] são transmitidas no quadro familiar, em associações, em redes de sociabilidade
afetiva e/ou política. Essas lembranças proibidas (caso dos crimes estalinistas), indizíveis (caso
dos deportados) ou vergonhosas (caso dos recrutados à força) são zelosamente guardadas em
estruturas de comunicação informais e passam despercebidas pela sociedade englobante”
(POLLAK, 1989, p. 6).
“Essa tipologia de discursos, de silêncios, e também de alusões e metáforas, é moldada pela
angústia de não encontrar uma escuta, de ser punido por aquilo que se diz, ou, ao menos, de se
expor a mal-entendidos” (POLLAK, 1989, p. 6).
“Distinguir entre conjunturas favoráveis ou desfavoráveis às memórias marginalizadas é de
saída reconhecer a que ponto o presente colore o passado. Conforme as circunstâncias, ocorre a
emergência de certas lembranças, a ênfase é dada a um ou outro aspecto. Sobretudo a lembrança
de guerras ou de grandes convulsões internas remete sempre ao presente, deformando e
reinterpretando o passado” (POLLAK, 1989, p. 6).
O Enquadramento da Memória / Le encadrement de la mémoire
“A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e
de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos
diferentes” (POLLAK, 1989, p. 7).
“A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementariedade, mas também as
oposições irredutíveis”, “Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo
tem em comum, em que se inclui o território (no caso de Estados), eis as duas funções
essenciais da memória comum” (p. 7).
Nesse sentido “Todo trabalho de enquadramento de uma memória de grupo tem limites, pois ela não pode ser construída arbitrariamente” (POLLAK, 1989, p. 7).
“Ainda que quase sempre acreditem que "o tempo trabalha a seu favor" e que "o esquecimento e o perdão se instalam com o tempo", os dominantes freqüentemente são levados a reconhecer, demasiado tarde e com pesar, que o intervalo pode contribuir para reforçar a amargura, o ressentimento e o ódio dos dominados, que se exprimem então com os gritos da contraviolência” (POLLAK, 1989, p. 7).
Ou seja, “O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela
história”, “o trabalho permanente de reinterpretação do passado é contido por uma exigência de
credibilidade que depende da coerência dos discursos sucessivos”, assim, “é preciso portanto
escolher testemunhas sóbrias e confiáveis aos olhos dos dirigentes” (POLLAK, 1989, p. 8).
“O filme-testemunho e documentário tornou-se um instrumento poderoso para os rearranjos
sucessivos da memória coletiva e, através da televisão, da memória nacional”. (POLLAK, 1989,
p. 9).
“Vê-se que as memórias coletivas impostas e defendidas por um trabalho especializado de
enquadramento, sem serem o único fator aglutinador, são certamente um ingrediente importante
para a perenidade do tecido social e das estruturas institucionais de uma sociedade”, “Mas
nenhum grupo social, nenhuma instituição, por mais estáveis e sólidos que possam parecer, têm
sua perenidade assegurada. Sua memória, contudo, pode sobreviver a seu desaparecimento,
assumindo em geral a forma de um mito” (POLLAK, 1989, p. 9).
O Mal do Passado / Le mal du passé
A memória por mais que seja individual ou coletiva ela é volúvel, no sentido em que ela
depende do ser humano para ser transmitida, logo, em Pollak (1989) “assim como uma
"memória enquadrada", uma história de vida colhida por meio da entrevista oral, esse resumo
condensado de uma história social individual, é também suscetível de ser apresentada de
inúmeras maneiras em função do contexto no qual é relatada. Mas assim como no caso de uma
memória coletiva, essas variações de uma história de vida são limitadas. Tanto no nível
individual como no nível do grupo, tudo se passa como se coerência e continuidade fossem
comumente admitidas como os sinais distintivos de uma memória crível e de um sentido de
identidade assegurados” (p. 11).
“Assim como as memórias coletivas e a ordem social que elas contribuem para constituir, a
memória individual resulta da gestão de um equilíbrio precário, de um sem-número de
contradições e de tensões” (POLLAK, 1989, p. 11).
“Esse exemplo sugere que mesmo no nível individual o trabalho da memória é indissociável da
organização social da vida” (POLLAK, 1989, p. 12).
SANTANA, Ethel P. Cidade e Memória: Abordagens Transversais para a Construção de
Propostas de Projeto sobre o Patrimônio Histórico e Cultural das Cidades. s/d.
Introdução
"Este texto situa-se nestas reflexões, trazendo os conceitos de cidade, patrimônio sensível e memória no intuito de entender, mas, sobretudo, de vislumbrar e, quiçá, de propor uma nova
sensibilidade no conceber, no projetar, no “estar” na cidade contemporânea." (p. 1)
"(...)Por seu papel de importância, o conceito de memória se converte em atributo qualitativo e
expande, ganhando status metodológico." (p. 1)
1- Pensando Cidades
"A ideia de uma cidade contemporânea se materializa nesta máxima: realidade efêmera, espaço
marcado pela aceleração de informações e de circulação de bens de consumo, pela condensação
de imagens e a 'violência inesperada dos estímulos'" (SIMMEL, 1997). (p. 1)
“Em oposição ao espaço moderno hegemônico (e homogêneo) dos planos e propostas ofertados
desde o final do século XIX, surge a revalorização das características próprias a cada lugar,
culminando numa miscelânea de opiniões intervencionistas no século XXI e na adoção de
conceitos mais humanistas para a interpretação dos espaços, entre eles, a noção de ambiência
(...)" (p. 2)
“Questões como representação, transitoriedade dos significados e memória circulam por entre as novas formas de apreensão das cidades contemporâneas, na crise tátil do corpo que não
necessita de muitos esforços para se locomover." (p. 2)
"A ideia de uma “cidade-entre” passa pela associação de uma memória chamada 'infiltrada', que se contamina da vivência físico-espacial e, por isso, se amplia no campo sensitivo de quem
experimenta a cidade. Sensibilidade é, assim, questão de ordem para o reconhecimento das
instâncias que ampliam o sentido de adaptação do homem ao seu meio." (p. 3)
"Para Soja (1996), quando o corpo se “insere” no espaço, interage nele/com ele, nasce sempre
um lugar “outro”, um espaço terceiro, que é a mescla de um primeiro espaço (receptor de
lembranças) e de um segundo (ideário). Este terceiro espaço emerge das sensações, atividades e
elementos imateriais que se agregam à espacialidade e conferem ao usuário da cidade (e à
própria cidade) a noção de um único conglomerado." (p. 3)
"Toda experiência cultural articula um duplo: um movimento externo e extensivo, mas visível,
feito por deslocamentos; e um intensivo e interior, dentro da existência humana, no conjunto de
suas memórias, de sua inteligência e sensibilidade." (p. 3)
2- Um Habitat Cultural
"O sujeito que agora anda pelos espaços é um nômade, que busca referências tanto nas imagens
consolidadas de um cenário fortemente apresentado como simbólico, quanto na ideia de
“mudança” perpetrada pelas constantes intervenções no patrimônio consolidado nas cidades
(CUCHE, 2002), construindo paragem por onde passa." (p. 4)
"Os estudos atuais sobre o papel da cultura revelam que o mundo surge assim a nós:
primeiramente como objeto sensível3 que se alinha com a nossa representação pessoal; depois
como símbolo." (p. 4)
"Assim é a proposta da disciplina “Cidade, Cultura e Memória”: suscitar uma dinâmica
metodológica que busque reconhecimento de estruturas para a percepção e análise de espaços
privados e públicos, do patrimônio cultural das cidades e do papel da memória como elemento
de composição imagética dos lugares, com vistas ao desenvolvimento de um projeto de
intervenção local." (p. 4)
3- O devir na Cidade e a Memória
"Sentir a ausência é a (nova) sensibilidade do nômade; sujeito que, frente às faltas na sua cidade, na sua vida, sonha, imagina, cria mundos possíveis (mas nunca totalmente acabados) para a sua existência e os percebe nos elementos que fazem a 'memória trabalhar'". (p. 5)
"Na arquitetura e no urbanismo a memória ganha um novo estatuto através do novo paradigma teórico e os novos temas definidos pelo então “pós-modernismo” (NESBITT, 2002). Neste novo estatuto, a memória aproxima-se do espaço físico, que agora também ascende diferente nas
disciplinas arquitetônicas e urbanísticas como ambiência, ou seja, como realidade vivenciada e
significada." (p. 6)
"Por outro lado, a memória adquire força de conhecimento do mundo através do corpo, que
agora retorna à arquitetura não mais como escala humana fisiológica a ser refletida no desenho
espacial, mas o corpo que experimenta, que sente, que toca, que dobra; a memória aqui é força
significadora neste corpo que potencializa o mundo." (p. 6)
"A memória emerge (...) como uma das preocupações centrais das sociedades (ocidentais). Num
mundo em constante mutação, o passado como lugar 'redentor' – no qual podemos ancorar
sonhos e expectativas, assim como elementos significantes por ele apresentados – surge como o
lugar das experiências e possibilita a formação de novas imagens que reconfiguram a cidade de
tantos lugares perdidos e seus próprios lugares (aqueles que guardam a essência de outros
tempos)." (p. 6)
4- Caminhos da Memória na Cidade
"Talvez seja nossa obrigação aproveitar as conquistas que herdamos no campo conceitual para levantar a bandeira por cidades e patrimônios consolidados, nos quais tais desejos sejam
realidades vivazes, determinando a elaborar, como pensadores da arquitetura e do urbanismo –
cidades-entre, cidades desejadas." (p. 6)
"Podemos dizer, aí, que a maior característica da memória, da cultura (e do corpo) na cidade
contemporânea, é tão somente a de desenvolver uma nova imagem, este “estado de ser”:
assimilável e possível." (p. 7)
Mestranda PROARQ: Letícia Aguilera Larrosa da Rocha - ligação com a pesquisa:
Proposição de metodologia para elaboração de inventários de patrimônio histórico e cultural
como meio de preservação da paisagem urbana: estudo de caso de Pelotas/RS, com o texto A
Memória Coletiva, de Maurice Halbwachs.
A pesquisa em questão busca elaborar ou aplicar uma metodologia de inventário de patrimônio
histórico e cultural participativo em uma cidade com consolidadas políticas de preservação do
patrimônio edificado. A proposta é utilizar os conceitos de memória coletiva, ambiência,
vivências da comunidade e a opinião pública como um dos valores a serem analisados nas
edificações durante o processo de inventário.
O texto aqui apresentado traz as definições e pensamentos acerca das diferentes memórias
existentes em cada grupo social, a partir da memória histórica, do tempo e do próprio espaço,
mostrando que um mesmo ambiente pode ter mais de um significado e mais de uma importância
perante as diversas sociedades e grupos sociais. Penso que este texto, assim como os outros
analisados neste seminário, poderão servir de embasamento teórico para a justificativa da
pesquisa, bem como para a aplicação da metodologia resultante da dissertação.
Mestranda/PROARQ - Clarice Freitas Teófilo – Ligação da Pesquisa: Estudo para a
Conservação, Requalificação e Restauro da Fábrica Marques de Almeida e CIA, com o texto
Memória, Esquecimento, Silêncio de Michael Pollak.
O texto analisado aborda o tema de como as memórias “afetam” a sociedade e a paisagem que a permeia, existe o conceito de memórias em disputa, memórias “subterrâneas”, o poder e a
função do não-dito, o mal do passado, entre outros. Percebe-se através de Pollak que as
memórias coletivas “criam e modelam” uma realidade de vivência para os moradores e
passantes, seja em escala maior (e mais aceita) da memória nacional, ou em menor escala (de
grupos excluídos) as memórias consideradas subterrâneas.
Por exemplo, essas memórias ressignificam e explicam valores atrelados a monumentos ou
edificações. Dessa maneira, na pesquisa de estudo para conservação, requalificação e restauro
de um espécime da arquitetura industrial na cidade de Campina Grande – PB, se faz necessária a
identificação e o estudo mais aprofundado das memórias que estão imbuídas tanto na edificação
em si, como seu entorno e suas vivências, para um melhor entendimento de como foi
desenvolvido o modus vivendi da área e como ela evoluiu ao longo do tempo, e como seus
moradores a apreendem na atualidade.
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