Por Cândida Zigoni, Carolina Moraes, Everton Souza, Luiz Paulo de Carvalho, Natielly de Miranda, Otávio Stoppa, Romulo Guina, Yasmim Marcucci.
TEXTO I
PENNA, Antônio Gomes. Percepção e realidade: introdução ao estudo da atividade
perceptiva. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1993.
PENNA, Antônio Gomes Palavra-chave: campo perceptivo
Sobre o(a) autor(a):
Antonio Gomes Penna (1917-2010) foi um psicólogo e professor brasileiro que teve contribuição direta
na construção do curso na Universidade do Brasil (atual UFRJ). Penna, além do seu pioneirismo na área da
psicologia no Brasil, chegou a estudar economia e graduou-se em direito e filosofia. Como professor acadêmico,
enfrentou desafios durante a ditadura militar, dada as suas abordagens consideradas marxistas. É considerado
uma referência nacional e internacional para a história da psicologia. As suas obras abordam principalmente a
trajetória dos estudos em psicologia, aprendizagem, filosofia e antropologia.
Idéia central:
O livro tem como objetivo servir de apoio aos estudos da psicologia nas instituições de ensino, bem
como apresentar o conceito de percepção e as suas diferentes abordagens / correntes teóricas. O autor
caminha por referências que utilizam a percepção não apenas como fenômeno, mas, sobretudo, como
ferramenta de pesquisa e análise; portanto contribuindo para a compreensão do potencial científico do campo
perceptivo.
Perceber é conhecer, através dos sentidos, objetos e situações. O ato implica, como
condição necessária, a proximidade do objeto no espaço e no tempo, bem como a
possibilidade de se lhe ter acesso direto ou imediato. Objetos distantes no tempo não podem
ser percebidos.
[...] A percepção é, assim, forma restrita de captação de conhecimentos. A possibilidade de
maior enriquecimento informativo terá que ser atingida por uma multiplicação de processos
perceptuais, ou através dos atos do pensamento.
(PENNA, 1993, p. 11)
Ideias parciais:
Apresenta a percepção aliada aos sentidos, objetos e situações. Discorre sobre como o conceito e as
suas associações são lidas por diferentes correntes teóricas. Passa pela tese Gestaltista, pelo New Look in
Perception, pelo caráter do Ego, pelas Escolas de Berlim e Graz, pela Psicologia Contemporânea, apenas para
citar os mais relevantes. Partindo de tais pressupostos, Penna propõe uma categorização dos aspectos
perceptivos de modo didático e metodológico, resultando numa itemização, onde destaca alguns conceitos
como figura e fundo, o todo e o contorno, a cor, a importância do fundo, a atitude do perceptor influenciando no
modo como organiza a percepção, apenas para citar alguns exemplos. Em muitos momentos o autor utiliza
análises de obras pictóricas para exemplificar como o domínio da percepção enquanto ferramenta, possibilita a
criação de sensações de movimento e estabilidade, por exemplo, demonstrando que existem atribuições
subjetivas associadas ao seu contexto social e temporal.
Existem posições boas e posições más no interior de um quadro de referência. Boas seriam
aquelas expressivas de maior equilíbrio; más, as que denotam irregularidade na composição
da estrutura total. Estas últimas estariam ligadas aos processos de insinuação de movimento
desencadeados diante de padrão de estímulos caracterizados por imobilidade.
(PENNA, 1993, p. 126)
Argumento/Análise Crítica:
No que diz respeito às pesquisas, o autor sinaliza três métodos: o da observação, o experimental e o da
reprodução ou comparação ordenada. Já sobre as perspectivas teóricas nos estudos da percepção ele destaca:
a fisiológica, a gestaltista e a behaviorista. Penna, em sua didática acadêmica, ao discorrer sobre a história dos
estudos no campo perceptivo, contribui para uma sistematização dos aspectos que se relacionam com o ato de
perceber e sua forma restrita da captação de conhecimento, uma vez que o último acontece em função da
perspectiva.
Considerações finais:
O livro “Percepção e realidade: introdução ao estudo da atividade perceptiva” faz parte de um projeto
intitulado “Biblioteca Formação de Psicólogos”. A relevância deste trabalho se dá pelo estabelecimento de
conceitos como “Percepção” e “Pensamento” didaticamente, mas também por apresentar de que modos a
percepção ocorre, e seus respectivos processos de captação de informação. Entender a percepção como
processo interpretativo, um conhecimento sensível e não descolado do corpo e dos seus fatores sociais, é
essencial para a aplicabilidade estratégica do campo perceptivo em estudos científicos em diversas áreas, e não
apenas na área da Psicologia.
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TEXTO II
MAGNANI, José. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana.
São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2002.
MAGNANI, José Palavra-chave: Antropologia urbana; etnografia
Sobre o(a) autor(a):
Professor titular de antropologia no departamento FFLCH na Universidade de São Paulo. É coordenador do
Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana da USP (LabNAU/USP – http://www.n-a-u.org), de sua revista
eletrônica PONTO URBE (http://www.pontourbe.net) e da coleção “Antropologia Hoje” Nau/Editora Terceiro
Nome. Sua linha de pesquisa mais marcante é antropologia urbana.
Ideia central:
Com a elaboração de uma abordagem específica da disciplina antropologia para com os estudos da e
na cidade, Magnani desenvolve a ideia de pensar a cidade de forma que o indivíduo não fique atomizado das
análises urbanas, ou seja, que o meio urbano não seja apenas uma paisagem de fundo.
Assim, pensar a cidade implica em pensar por onde o indivíduo passa, as relações que eles constroem
com o espaço, as suas práticas e agências que atravessam as instituições, sociabilidades e coletividades.
Para isto, deve haver uma maneira específica de olhar o campo etnográfico urbano e seu recorte. Esta
maneira é chamada "de perto e de dentro". Com ela a intenção é buscar padrões de comportamento,
regularidades que os atores sociais constroem na cidade através da interação com o espaço urbano e suas
práticas diversas.
Ideias parciais:
O autor traz categorias, que não são excludentes entre si e que possibilitam ver alternativas de arranjos
feitos pelos atores sociais na cidade. São elas:
Pedaço: rede de sociabilidade construída em um componente espacial, entre a rua e a casa, onde há os
"colegas", as pessoas se reconhecem por portarem os mesmos conjuntos de valores, hábitos, etc.
Mancha: Áreas espaciais mais amplas, com atividade ou prática dominante. Exemplo: mancha da saúde
formada por hospitais e clínicas em uma mesma região.
Trajeto: Uso do espaço, um indivíduo circula entre as manchas e pedaços. Liga vários pontos da cidade.
Circuito: Há uma oferta de práticas ou serviços por instituições, estabelecimentos ou espaços que não precisam
necessariamente estarem dividindo a mesma área física.
Argumento/Análise Crítica:
O autor reforça a necessidade da análise qualitativa do espaço quando se envolve ao campo de
pesquisa e se coloca em comum espaço com os sujeitos habitantes e usuários dos espaços em estudo. Ao
analisar o movimento, vínculos e comportamentos desses agentes na cidade, o pesquisador consegue obter
respostas qualitativas e reais quanto às verdadeiras relações estabelecidas entre habitante e espaço construído.
Considerações finais:
O olhar “de perto e de dentro” estabelecido por ele, possibilita colocar em prática um comportamento de
observador que se “mistura” ao ambiente e busca vivenciá-lo como parte integrante, ao mesmo tempo que se
distancia para não influenciar nos resultados da pesquisa.
Sendo assim, partir de uma análise “na cidade”, entendendo suas mínimas relações para uma análise
macro “da cidade”, é de imensa relevância para estudos que buscam compreender as verdadeiras relações
estabelecidas nos “pedaços, manchas, trajetos e circuitos”, para que assim como atribuído pelo autor em seu
artigo, os espaços em análise possam ser corretamente categorizados.
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TEXTO III
VELHO, Gilberto. A Utopia Urbana: um estudo de antropologia social.
5 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1989, p. 1-115.
VELHO, Gilberto. Palavra-chave: Antropologia Urbana
Sobre o(a) autor(a):
Antropólogo brasileiro, pioneiro da antropologia urbana no país. Graduado em Ciências Sociais pelo
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1968. Mestre em
Antropologia Social também pela UFRJ (1970). Especializou-se em Antropologia Urbana e das Sociedades
Complexas na Universidade do Texas, em Austin (1971). Doutor em Ciências Humanas pela USP (1975). Atuou
nas áreas de Antropologia Urbana, Antropologia das Sociedades Complexas e Teoria Antropológica. Foi
presidente da Associação Brasileira de Antropologia.
Ideia central:
A Utopia Urbana foi apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Antropologia Social, Departamento de
Antropologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. De 1960 a 1970, a antropologia urbana
deu o primeiro passo para integrar esses estudos ao ambiente acadêmico. O termo "antropologia urbana" que
define o campo de pesquisa ainda não era universalmente cunhado. Na época, a antropologia brasileira se
concentrava no estudo das chamadas sociedades "tradicionais" - especialmente agricultores e povos indígenas.
A pesquisa acompanhou o interesse do antropólogo pela classe média urbana – "Como pensam, como
definem o mundo e a si próprios, quais são seus valores, etc. etc." – um estudo do bairro de Copacabana e dos
moradores do Edifício Estrela. Considerando o crescimento populacional do bairro e os problemas causados por
essa alta densidade, seu principal interesse está em entender "Por que veio morar em Copacabana?”, ou seja, o
que motiva os moradores a ali morar.
Ideias parciais:
Considerando o edifício como local privilegiado de pesquisa, seu objetivo é captar a comunidade de
Copacabana e os fenômenos relacionados (crescimento e estilo de vida) por meio dela, na relação com a
cidade. Portanto, buscou-se não só compreender a motivação que levava o morador a ir para Copacabana, mas
também interessava quem ele era, qual sua ocupação, entre outros, o que levou o autor a discutir três pontos
fundamentais: estratificação social, residência e ideologia.
O livro é dividido em quatro capítulos, do planejamento mestre ao planejamento específico - ou da
introdução da vizinhança ao aprofundamento da visão de mundo e do estilo de vida dos indivíduos que ali
vivem.
Argumento/Análise Crítica:
A contextualização inicial de Copacabana permite ao leitor a compreensão do histórico do bairro, desde
a implementação de um túnel que passa a ligar a zona Norte à Sul do Rio de Janeiro, demonstrando o
crescimento da cidade e do bairro, evidenciando o grande crescimento populacional, que transformou o “pacato
bairro à beira mar, com casas em espaçosos terrenos, nesta famosa ‘floresta de cimento armado’” (p. 27), onde
se podia encontrar serviços, comércio e diversão.
Como anteriormente citado, o prédio Estrela foi um foco de pesquisa do autor – lugar inclusive que foi
sua moradia durante alguns anos, motivo pelo qual as entrevistas do prédio foram realizadas por alunas –, e no
capítulo dedicado a este espaço, ele buscou sistematizar as opiniões dos moradores do prédio acerca do bairro
e do porquê e quando se mudaram para lá. Atrelado a isto, ele fez uma descrição etnográfica sobre a vivência
neste espaço, demonstrando que os moradores têm conflitos recorrentes entre vizinhos, falta de dinheiro para o
aluguel, entre outros problemas recorrentes entre os white collar que vivem em Copacabana.
Neste aspecto, percebe-se uma dualidade entre a realidade vivida e o imaginário. Como o próprio autor
ressalta “Se, por um lado, como veremos, morar em Copacabana é encarado como atributo altamente positivo,
algo a ser ostentado, muitos dos moradores têm uma certa “vergonha” de morar numa “balança” (p.37).
Como estratégia metodológica, o autor também entrevistou outros moradores do bairro, entre inquilinos
e proprietários, buscando saber principalmente o porquê de escolher Copacabana. Os dados obtidos foram
também categorizados e analisados como os dos moradores do prédio, culminando em dados com respostas
aproximadas. As categorias analisadas em ambas as situações (prédio e bairro) foram idade, naturalidade,
bairro de origem (caso não tenha ido morar direto em Copacabana, como em casos dos estrangeiros ou
advindos de outro estado da federação), tempo de permanência no bairro e no prédio e a ocupação a qual se
destinavam.
Buscar compreender as percepções dos moradores de Copacabana foi o que permitiu ao autor ter uma
visão para além dos problemas urbanísticos e arquitetônicos do bairro, tentando captar as manifestações
culturais e subjetividade dos moradores.
Por fim, no último capítulo, o autor explicita acerca da ideologia e imagem da sociedade. Ele enfatiza
que os antropólogos buscam “sistemas de classificação”, indicando como as categorias se relacionam e
hierarquizam.
O universo da pesquisa “situa-se num meio urbano, em uma ‘sociedade complexa’, tendo uma série de
características heterogêneas, mas apresentando certas experiências básicas comuns” (p.65). Mas, pela
frequência de indivíduos white collar no bairro, o autor entende que há certa delimitação de estratos, não por
serem white collar, mas indicando que pode haver de comum entre eles está relacionado a estratificação social.
O autor sistematiza suas informações, chamando-as de unidades mínimas ideológicas, que enfatizam
não somente o caráter espacial, mas também as ideologias a eles articuladas. Estas unidades não têm sentido
em si, e é somente com o “princípio da oposição” (p.67) que se pode contextualizá-las. No geral, o autor
percebeu que se há “um discurso em comum” (p.78).
Considerações finais:
O autor depreendeu que, para seus entrevistados, o deslocamento no mapa da cidade – mudanças nos
bairros – significa uma mudança na escala da sociedade. Morar em Copacabana, para a maioria dos
entrevistados, significa uma melhoria na sociedade. Mas para outros, Ipanema também pode representar essa
ascensão, enfatizando o princípio da oposição. Por meio da análise desses discursos, Velho busca o que se
desenvolveu na antropologia clássica – um sistema de representação e classificação do mundo social e natural.
Portanto, trata-se de classificação, estrutura hierárquica e organização espacial.
O autor mostra como o espaço social se corporifica no espaço físico. Ele destaca as questões de
prestígio e status que acompanham o processo de classificação. É essa compreensão do sistema de
classificação dos diferentes territórios da cidade e a construção das fronteiras simbólicas que acompanham o
processo de hierarquização espacial urbana que fornecem a chave para pensar a cidade do Rio de Janeiro hoje.
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Interseções entre os textos selecionados
A escolha dos textos foi de certa forma intuitiva, uma vez que partiu de um conhecimento prévio do grupo sobre
a produção científica de Gilberto Velho e José Magnani. Portanto, a contribuição de “Percepção e Realidade” do
psicólogo Antônio Penna naturalmente desempenhou um papel de embasamento teórico e historiográfico dos
estudos da percepção e suas correntes de pensamento.
Os autores buscam tratar os aspectos sensitivos do indivíduo no espaço como uma estratégia de análise do
indivíduo e seus comportamentos/motivações dentro de um contexto. Penna discorre sobre como o conceito da
percepção é tratado por escolas de pensamento ao longo do tempo e apresenta a relação da percepção entre
os sentidos, objetos e situações sempre em função de uma perspectiva.
Como uma crescente metodológica, a leitura seguinte, de Magnani, utiliza a percepção dos usuários da cidade
sentidos, objetos e situações (PENNA, 1993) como uma ferramenta para categorizar o uso/relação dos espaços
na cidade, isso com o objetivo de analisar as práticas do indivíduo no espaço construído, bem como seus os
desdobramentos no meio urbano.
Gilberto Velho utiliza uma metodologia próxima à “vida” dos usuários da cidade, não apenas aos seus
deslocamentos, mas às suas especificidades relacionais. O autor faz um recorte investigativo no bairro de
Copacabana / RJ, o que já indica uma intenção de perceber as motivações de um grupo social dentro de um
contexto específico. A etnografia nesse caso está atenta ao sentido coletivo desse grupo e conclui que a
percepção comum aos indivíduos, a percepção de uma ascensão social estava relacionada ao espaço
construído.
As abordagens etnográficas tem o conceito de percepção como um “guarda-chuva”, onde o ato de perceber está
intimamente ligado à ação de um corpo, sendo esse carregado de subjetividades e um repertório próprio de
cidade. As leituras contribuíram para o entendimento de que metodologias qualitativas como a etnografia
auxiliam na construção de uma análise de cidade espessa em perspectivas, subjetividades que nos levam a
encontrar estrategicamente o comum no coletivo, e a perceber o espaço em diversas escalas e de maneira
multissensorial.
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Contribuição / relação dos textos com a pesquisa de mestrado:
(aluna PROARQ_Cândida Zigoni)
Como parte da construção teórico-metodológica da dissertação de mestrado, as leituras realizadas neste eixo
do seminário contribuíram para uma fundamentação e aplicação de metodologias qualitativas no campo
perceptivo, e uma própria revisão do conceito de percepção. Embora a dissertação de mestrado se encontre
primária em seu desenvolvimento, a motivação de investigar a dinâmica dos entregadores de delivery dentro de
um contexto pandêmico nas grandes cidades indica um caráter complexo da metodologia a ser empregada.
Portanto, alguns aspectos a serem analisados na pesquisa como o ritmo do caos, a desigualdade social, a
imagem da cidade, a complexidade e a monotonia, a vivência dos espaços, entre outros, indicam a abordagem
de um método etnográfico, sensitivo e colaborativo como um caminho para a apreensão dessas camadas de
relação dos indivíduos e seus coletivos na cidade.
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