Por Alex Vargas, Ana Clara Pacini, Cibelly Figueiredo, Daniel Athias, Fernanda Freitas, Lorena Lopes, Plínio Silveira, Raíssa Almeida, Raquel Tonette, Renata Gomes, Thaís de Lima e Thiago Rangel.
INTRODUÇÃO
O fichamento tem por objetivo apresentar e analisar as ideias sobre sensorialidade,
espaço e ambiente apresentadas nos textos de três autores: A atmosfera como conceito
fundamental da nova estética - Gernot Böhme; Os Olhos da Pele - Juhani Pallasmaa;
Paisagens: práticas, memória e narrativa - José Roberto Pellini.
Nesse sentido, serão apresentados os fichamentos de cada texto específico e ao final
será feita uma reflexão sobre os principais conceitos tratados e a maneira como eles são
convergentes e/ou divergentes no pensamento de cada autor.
TEXTO 01: BOHME, Gernot. A atmosfera como conceito fundamental da nova estética.
Blog do LABENUS - Laboratório de Estudos de Teoria e Mudança Social, 2017.
Disponível em:
https://blogdolabemus.com/2017/09/14/a-atmosfera-como-o-conceito-fundamental-da-nova-e
stetica-por-gernot-bohme/. Acesso em: 16 de jun. de 2021.
Gernot Böhme é um filósofo alemão que investiga e escreve sobre a filosofia da
ciência, a teoria do tempo, ética, antropologia filosófica e estética. Ele também é um dos
pioneiros dos estudos sobre a relação entre cultura e o meio ambiente (ecocriticism). A
formação de Böhme é em matemática, física e filosofia, todas cursadas em Hamburg e
Göttingen. Em 1965 ele completou seu PhD na Universidade de Hamburgo e até 2002 foi
professor de filosofia na Universidade Técnica de Darmstadt.
O texto "A atmosfera como conceito fundamental da nova estética" de Gernot Böhme,
é um dos textos presentes no livro "A estética das atmosferas", do mesmo autor, lançado pela
rede de pesquisadores Ambiances. O livro contou com o prefácio e tradução para o inglês de
Jean Paul Thibaud. Pouco da sua obra já foi traduzida para o inglês e o texto estudado é um
dos poucos em português. O texto faz parte da primeira parte do livro de Böhme e está
inserido no capítulo "Teoria: estética e economia estética".
Inicialmente, o autor propõe diretrizes para o entendimento do conceito de
atmosferas tratado ao longo do texto. Entende-se então que o termo "atmosfera" é aplicado
às pessoas, espaços e à natureza e se dá de forma difusa e indeterminada. Não é possível
então, unificar uma atmosfera. Além disso, uma das grandes questões do texto é entender que
as atmosferas não são atribuídas nem aos objetos nem ao sujeito, comporta-se como um
fenômeno que ocupa uma posição intermediária.
Através das do que foi explanado no texto, pode-se extrair alguns entendimentos do
que é atmosfera na visão do autor:
● A atmosfera é o modo por meio do qual as qualidades ambientais e os estados
humanos de relacionam;
● As atmosferas são sempre espacialmente “senfronteiras, disseminadas e ainda
sem qualquer lugar que seja, portanto, não localizáveis”. Elas são poderes
efetivos da sensibilidade, portadoras espaciais de estados de espírito;
● Sentidos são atmosferas não localizáveis, transbordantes, que visitam o corpo
que as recebe afetivamente, que assumem a forma de emoção;
● Atmosferas são aquilo que se experimenta pela presença corporal em relação
com pessoas e coisas ou com espaços.
Ao não vincular as atmosferas nem ao sujeito nem ao objeto, Böhme então introduz as
noções de uma nova estética que vai relacionar os dois pontos da relação sujeito e objeto, e
consequentemente das qualidades ambientais e dos estados humanos. Pode-se questionar
então:
O que é essa nova estética:
● Estética que se interessa pela relação entre qualidade ambiental e estados
humanos;
● Uma teoria geral da percepção. O conceito de percepção é liberado de sua
redução ao processamento da informação, ou fornecimento de dados ou ao (re)
conhecimento de uma situação. A percepção inclui o impacto afetivo do
observador, a “realidade das imagens”, a corporeidade;
● A percepção é basicamente a forma como alguém se encontra corporalmente
presente para alguém ou alguma coisa ou para algum estado corporal em um
ambiente. As atmosferas são o "objeto" primário da percepção. O que é
primeiro e imediatamente percebido não é nem a sensação, nem as formas,
nem os objetos, nem as suas constelações, como a psicologia da Gestalt
pensava, mas as atmosferas.
O que há de novo nessa nova estética:
● Uma estética que se ocupa da experiência, sobretudo sensível, uma vez que a
“velha estética” é essencialmente uma estética de julgamento, que não inclui a
sensibilidade e a natureza;
● A obra de arte não necessita, obrigatoriamente, comunicar algo para um
possível observador. Nem ser um signo. A atmosfera da obra de arte se
constitui em sua presença, na representação de si por si mesma;
● A nova estética é entendida como a produção de atmosferas. Do ponto de vista
da recepção, ela é uma teoria da percepção, no sentido pleno do termo, no qual
a é entendida como a experiência da presença de pessoas, objetos e ambientes;
● A nova estética que supera não apenas o intelectualismo da estética clássica,
mas também sua restrição à arte e ao fenômeno da comunicação.
Após apresentar essa nova estética, Böhme resgata a teoria de Benjamin e o conceito
de aura na busca pela compreensão das experiências e percepções do sujeito.
Walter Benjamin buscou, através do conceito de aura, determinar aquela atmosfera de
distância e respeito que envolve obras de arte originais. O que faz de um trabalho uma obra
de arte não pode ser entendido apenas por meio de suas qualidades concretas. Mas aquilo que
a excede, esse “a mais”, a aura, permaneceu completamente indeterminada. A “aura"
significa como se fosse a atmosfera enquanto tal, o envelope não caracterizável e vazio de sua
presença. A aura seria um tecido de espaço e tempo: aparência única da distância e respeito
que envolve obras de arte originais, não importa quão próximo o objeto possa estar.
A aura aparece nas situações de relaxamento, observação, sem grandes esforços.
Aura parte dos objetos naturais se o observador os permite ser, ou seja, parte de uma posição
ativa no mundo. Perceber a aura é absorvê-la no próprio corpo. A aura é exatamente a porção
subjetiva que cria um "invólucro perceptivo" sobre as obras de arte. A aura é atmosfera em
seu vazio que estabelece o "entre" nas relações sujeito-objeto. A aura pode privatizar a
experiência pois é carregada de informações pessoais. Perceber a aura está relacionado,
portanto, ao corpo e ao sujeito.
Para complementar a dimensão do sujeito no entendimento das atmosferas e adicionar
as questões relacionadas ao objeto nesse diálogo, Böhme insere o conceito de atmosfera na
filosofia de Schmitz.
Schmitz favorece as características objetivas e espaciais das atmosferas, acreditando
que a quem percebe pode chegar a ter um papel mais passivo nessa relação. Dessa forma, a
incerteza e difusão das atmosferas é removida, e é direcionado ao espaço o papel de
determinador dessas atmosferas. A percepção delas, por sua vez, não seria dada por uma
predisposição do sujeito, mas sim, por uma interiorização anterior à experiência. Ainda
assim, as atmosferas não emanam dos objetos nem pertencem a eles, mas sim flutuam sobre
eles. Schmitz então exclui a possibilidade da produção de atmosferas pela qualidade das
coisas, reforçando, novamente, a característica relacional do fenômeno.
Ao equilibrar as contribuições dos dois autores, Böhme desenvolve um pensamento
sobre as coisas e seus êxtases. Para isso, ele tenta superar a dicotomia sujeito-objeto presente
nas investigações sobre percepção, experiência e atmosfera.
Acredita-se então, que a noção de sujeito nesses estudos estejam vinculados ao
conceito de self, isto é, estar autoconsciente do próprio corpo e do ambiente que o envolve. Já
as coisas são determinadas por aquilo que promove o seu fechamento: forma, cor, cheiros,
etc. Essa condição, por sua vez, não é atribuída e fixa ao objeto, mas sim emana dele,
tingindo-o e colorindo-o.
Com essa ideia, Böhme retrata a expressão "êxtase das coisas", ou seja, o que
acontece para além do atribuído, para além daquilo que é dado. Esse êxtase emana dos
objetos e se revela na relação com o sujeito. Isso propõe uma evolução na ontologia clássica
da coisa na qual o objeto e suas características eram demarcados pelo limite físico das coisas.
Ao conceber o êxtase das coisas, Böhme supera a noção de atmosfera como
livremente flutuante de Schmitz, acreditando que elas são criadas, na verdade, por coisas,
pessoas e suas constelações. Dessa forma, as atmosferas não são objetivas e dadas apenas
pelas qualidades das coisas; nem subjetivas, dadas apenas por um estado psíquico. As
atmosferas são dotadas de sentido. Elas são espaços na medida em que são "tingidas" por
meio da presença de coisas, de pessoas ou de constelações ambientais, isto é, através de seus
êxtases. São elas próprias esferas da presença de algo, sua realidade no espaço.
As atmosferas são algo que procede de e é criado por coisas, pessoas ou suas
constelações. Não são algo objetivo, isto é, qualidades que as coisas possuem, ainda que
sejam algo do tipo coisa, pertencendo à coisa à medida em que as coisas articulam sua
presença por meio de qualidades - concebidas como êxtases. Atmosferas tampouco são algo
subjetivo. E, no entanto, elas são como sujeitos, pertencem aos sujeitos na medida em que são
sentidas por seres humanos de corpos presentes, e essa sensação é, ao mesmo tempo, um
estado corporal do ser de sujeitos no espaço.
Por fim, Böhme aborda a produção de atmosferas, partindo dos conceitos discutidos e
desenvolvidos ao longo do texto. Ao entender que as características das coisas se tornaram
êxtases das coisas e irradiam para além de seus limites, a percepção da beleza, por exemplo,
seria dada pelo modo de sua presença, na relação com o sujeito. Assim, a produção de
atmosferas não se dá pela forma que os objetos são dados, mas sim pelo modo que eles
possibilitam o evocar de atmosferas. Ao produzir atmosferas trabalha-se então sobre o objeto.
A atmosfera designa, ao mesmo tempo, o conceito fundamental de uma nova estética
e seu objeto central de entendimento. A atmosfera é a realidade comum daquele que percebe
e do que é percebido. É a realidade do percebido como uma esfera de sua presença e a
realidade do percebedor uma vez que, ao sentir a atmosfera, ele está, de uma certa maneira,
corporalmente presente.
Ao entender que as atmosferas são os objetos primários de percepção, o texto conclui
que a nova estética está vinculada à teoria da percepção, sendo essa percepção dada não
apenas pelo processamento de informações do corpo, mas também pela sua carga afetiva, sua
corporeidade.
TEXTO 02: PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Artmed
Editora, 2009.
O livro "Olhos da Pele", lançado em português em 2005, é um dos principais
trabalhos de Juhani Pallasmaa e uma referência mundial sobre teoria da arquitetura.
Pallasmaa é um arquiteto e professor finlandês. Atualmente ele dá aulas na Universidade
Aalto. Antes disso, Pallasmaa também foi diretor do Museu de Arquitetura da Finlândia.
Além de "Olhos da Pele", Pallasmaa tem mais dois livros-textos publicados em português:
Essências e Habitar. Além de livros, Pallasmaa figura em um dos capítulos da famosa
antologia de Kate Nesbitt, "Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica
19651995", de 2006.
No texto são feitas interlocuções com Steven Holl, Alberto Perez-Gomez, Eiler
Rasmussen, em Arquitetura Vivenciada e com Merleau-Ponty, em obras como "O visível e o
invisível". Também ajudam na construção dos textos, o livro "A poética do espaço" de
Gaston Bachelard.
Em seu livro “Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos” (2009), Pallasmaa parte
de uma preocupação pessoal com o favorecimento da visão em detrimento dos demais
sentidos no modo de se fazer arquitetura. Ele tenta chamar a atenção para a importância do
tato como meio de experimentação e entendimento do mundo, partindo do argumento de que
todos os sentidos são especializações do tecido cutâneo e, portanto, extensões do tato.
Também a visão periférica chama a atenção do autor pela sua capacidade de estimular
experiências espaciais e corporais que integram o sujeito ao espaço, diferente da posição de
confronto criada pela visão focada, que, segundo ele, coloca o sujeito como mero espectador
de sua própria existência.
Pallasmaa também vai tratar da questão do corpo como a centralidade do homem do
mundo, como local de percepção de todos os sentidos que proporciona ao sujeito a formação
de referências, memórias e imaginações que o permitem integrar a sua individualidade com a
sua experiência de mundo.
PARTE 01
Na parte 01, a conjectura central defendida pelo autor é a de que a predileção pela visão em
detrimento dos demais sentidos repercutiu no desaparecimento de características sensórias na
arquitetura ocidental, distanciando-a do homem.
Baseado no trabalho de Walter J. Ong, Pallasmaa afirma que o domínio da visão teve
seu início com a escrita, com a mudança do discurso oral para o discurso escrito que
substituiu o domínio da audição pelo da visão e foi essencial para a substituição do espaço
sonoro pelo visual, impactando na consciência humana e no sentido de coletividade. A
hegemonia do olhar desenvolve a consciência do ego e um consequente afastamento do
indivíduo do mundo. “[...] a visão nos separa do mundo, enquanto os outros sentidos nos
unem a ele.” (p.24)
Há uma extrema valorização do sentido da visão na cultura ocidental, reverberada na
arte e na arquitetura. Afirmativas de diversos autores sustentam o paradigma da visão como o
mais nobre dos sentidos, desde pensadores da filosofia grega como Aristóteles, Platão e
Heráclito, até Le Corbusier e Walter Gropius, grandes mestres da arquitetura moderna, em
que o sentido da visão teve um papel central.
Como crítica ao predomínio da visão, Sartre vai dizer que o espaço superou o tempo
na consciência humana. Foucalt, Derrida e Heidegger afirmam que a hegemonia da visão na
era moderna tem sido reforçada pela infinita multiplicação e produção de imagens. Baseado
nesses argumentos, Pallasmaa vai afirmar que o predomínio da visão deriva da fusão das
experiências de espaço e tempo derivada da velocidade do espaço moderno, uma vez que a
visão é o único sentido suficientemente rápido para acompanhar o mundo tecnológico.
Pallasmaa afirma que os projetos arquitetônicos dos últimos 20 anos apresentam
características narcisistas e niilistas em consequência do predomínio da visão. Para ele, a
hegemonia do olho parece enfraquecer a capacidade humana de empatia, compaixão e
participação do mundo. Como consequência disso, temos uma produção arquitetônica
narcisista de auto expressão desvinculada de associações mentais e societárias, e niilista que
promove o isolamento e a alienação sensoriais e mentais que isola o corpo e torna impossível
uma leitura da significação coletiva do espaço. Em contraponto, Pallasmaa vai afirmar que é
impossível se pensar numa arquitetura niilista quando o foco está no tato, pois nesse sentido a
proximidade, intimidade, veracidade e identidade entre sujeito e espaço são inevitáveis.
Diferente da arquitetura moderna, a arquitetura tradicional autóctone é vinculada ao
conhecimento tátil do corpo, aos sentidos musculares e táteis. Mesmo havendo um apelo
visual, a predileção pela visão não necessariamente implica numa rejeição dos demais
sentidos, pois a visão pode incorporar e reforçar outras modalidades sensoriais que ativem o
ingrediente tátil inconsciente que existe na visão.
A rejeição deliberada dos outros sentidos em detrimento da visão vai ocorrer em
resposta à era das imagens visuais onipresentes, fruto de extensões tecnológicas do corpo,
que difunde a existência de um observador incorpóreo desvinculado da relação carnal do
ambiente pela supressão dos outros sentidos. A ausência dos sentidos na arquitetura prejudica
a participação emocional do observador e resulta na perda da plástica e da sensação de fusão
entre sujeito e objeto.
A arquitetura dos últimos 30 anos busca a construção de imagens visuais
surpreendentes e memoráveis, em vez de uma experiência plástica e espacial embasada na
existência humana. As edificações se tornaram produtos visuais desconectados da
profundidade existencial.
Passa a ser produzida uma arquitetura para ser enquadrada na imagem bidimensional
produzida pela câmera fotográfica que perde sua plasticidade e suas conexões com a
linguagem e a sabedoria do corpo humano. Ao perder a intimidade com o corpo humano, a
arquitetura passa a ser plana, agressiva, imaterial e irreal. Perde a aura da obra de arte.
A falta de humanismo na arquitetura contemporânea é consequência da negligência
com o corpo e com os sentidos. A arquitetura produzida em função do domínio da visão focal
tem produzido a “arquitetura da retina”, obras espetaculosas, porém que não estabelecem uma
conexão entre o homem e o mundo. Em vez de uma experiência plástica e espacial embasada
na existência humana, buscam imagens visuais memoráveis, a persuasão instantânea e que
finda por provocar a sensação de alienação, isolamento, e exterioridade.
O observador, portanto, encontra-se desconectado carnalmente do ambiente, dada a
supressão dos sentidos. A arquitetura está relacionada com os significados possibilitando-nos
a sensação de identidade, produtos reduzidos ao visual distanciam-nos da profundidade
existencial. No processo criativo, o arquiteto trabalha com todo seu corpo e identidade. Sua
constituição corporal e mental projeta-se na obra. Mesmo na arquitetura grega, onde a
predileção pela visão ecoou na busca pela perfeita proporção e harmonia, havia uma grande
sensibilidade tátil imbricada nas obras. É este ingrediente, a tatilidade, que tem sido
negligenciado na arquitetura de nossa época.
PARTE 02
Na segunda parte do livro, Pallasmaa analisa as interações dos sentidos e sensações
correlacionando-as com os espaços, sobretudo com a arquitetura. A arquitetura é entendida como
uma extensão da natureza, onde, através da experiência multissensorial, como ao caminhar em
uma floresta, é possível compreender o mundo. O autor aprofunda-se nas reflexões sobre as
particularidades sensoriais do espaço e na percepção do homem.
Pallasmaa inicia a segunda parte do livro reafirmando a predileção da cultura
ocidental e da arquitetura contemporânea pelo sentido da visão, como consequência das
forças universalistas de gerenciamento, organização e produção imposta pelo racionalismo
tecnológico.
Apesar de considerar esse predomínio da visão como uma alteração negativa na forma
de fazer arquitetura, ele diz que o problema não está na ideia da visão como sentido mais
importante, mas no isolamento da visão de sua relação com os demais sentidos e na
consequente supressão deles no processo do fazer arquitetônico, que resulta na redução da
experimentação do mundo à esfera da visão, e reforça uma sensação de isolamento e
alienação.
Embasado em Merleau-Ponty, Pallasmaa vai dizer que o corpo humano é o centro do
mundo das experiências. As percepções naturalmente adquiridas pelo homem são alcançadas
com todo o corpo através da interrelação de todos os sentidos.
O corpo integra todas as experiências sensoriais e, ao interagir com o ambiente e
experienciá-lo, corpo e mundo se redefinem constantemente numa experiência existencial
contínua que nos faz concluir que não há corpo sem espaço e não há espaço sem corpo.
O senso de realidade desenvolvido pelo homem é reforçado e articulado pela
colaboração entre o corpo e os sentidos. A arquitetura é um produto desse senso de realidade,
da experiência existencial que adquirimos através das experimentações do corpo. Ela confere
estrutura conceitual e materialidade às instituições e condições da vida cotidiana.
Para ser capaz de representar a realidade, reforçar a experiência existencial e a
identidade pessoal, a arquitetura precisa ser multissensorial, ou seja, refletir as apreensões
realizadas por todos os sentidos do corpo que nos permitem ter a sensação de pertencer ao
mundo.
A boa arquitetura deve atender à multissensorialidade para ser compreendida em seus
aspectos materiais e espirituais, físicos e mentais. O corpo experimenta o espaço como
entidade física e de memória, absorvendo do mundo e refletindo para ele.
Visão - A importância das sombras
O olho é o órgão da distância e da separação, que analisa, controla e investiga,
enquanto o tato é o sentido da proximidade, da intimidade e da afeição, que aproxima e
acaricia. As sombras/escuridão são essenciais, pois são capazes de reduzir a precisão da visão
e tornar a profundidade e a distância ambíguas. As sombras convidam à visão periférica
inconsciente e à fantasia tátil, permitindo que o sujeito se distraia do foco homogêneo
imposto pela visão e pense mais claramente, com maior riqueza de informações. Assim como
a homogeneidade da visão focada, a homogeneização dos espaços enfraquece a experiência
da vida humana e arrasa o senso de lugar.
Audição - A intimidade acústica
Pallasmaa afirma que a visão isola, direciona e exterioriza, ao passo que a audição
incorpora, onidirecional e interioriza. Ao utilizar a visão o sujeito é o emissor da ação,
enquanto na audição ele atua como receptor. A audição articula e estrutura a experiência e o
entendimento do espaço, uma vez que os sons muitas vezes fornecem o continuum temporal
no qual as impressões visuais estão inseridas.
Na arquitetura cada espaço construído tem seu som, o eco resultante da sua
configuração formal e material que, junto com a análise visual, caracterizam o espaço em sua
intimidade ou monumentalidade, convite ou rejeição, hostilidade ou hospitalidade.
Olfato - Espaços aromáticos
Cada espaço tem um cheiro individual que, frequentemente, se torna a memória mais
persistente que temos dele. Um cheiro específico é capaz de resgatar memórias esquecidas
pela retina. As imagens da retina parecem sem vida quando desassociadas do imaginário
olfativo. Ao ser associada aos sabores e odores que desperta, a imagem da cidade ganha todas
as cores da vida.
Tato - A forma do toque
O tato é o sentido que nos conecta com o tempo e a tradição. A pele acompanha a
temperatura dos espaços. Há uma forte relação entre a pele nua e a sensação de lar. A
experiência do lar é essencialmente a experiência do calor íntimo. Lar e prazer da pele, assim,
se transformam em uma sensação indissociável.
Paladar - O sabor da pedra
Há uma transferência sutil entre os sentidos da visão, tato e paladar. Cores e detalhes
delicados evocam sensações orais que nos remetem às nossas primeiras experiências de
mundo. A origem mais arcaica do espaço da arquitetura é a cavidade oral.
A arquitetura multissensorial se preocupa mais com o encontro do objeto com o corpo
do usuário do que com a sua estética visual. Ela busca acentuar a experiência corporal
criando uma atmosfera mais convidativa ao toque que crie intimidade e aconchego. Rejeita o
idealismo cartesiano desvinculado do corpo da arquitetura dos olhos. São aglomerações
sensoriais concebidas para serem apreciadas em seu encontro físico e espacial real, não como
construção de uma visão idealizada.
A autenticidade da experiência arquitetônica está na abrangência do ato de se
construir para os sentidos. A existência corporal é responsável por experimentar o mundo,
assim o mundo experimentado se organiza e articula em torno do nosso corpo. Estamos em
constante diálogo e interação com o ambiente.
Ao projetar o arquiteto internaliza a paisagem, todo o contexto, requisitos funcionais e
plásticos do objeto arquitetônico são sentidos inconscientemente pelo corpo. Também a
interação entre o corpo do observados com a obra é sentida pelo arquiteto, as experiências
ambientais trocadas entre observador e espaço se refletem nas sensações corporais do
projetista. A arquitetura é a comunicação entre o corpo do arquiteto e do usuário.
A arquitetura não pode se reduzir a um instrumento de funcionalidade, conforto
corporal e prazer sensorial. Ela não deve ser transparente em seus aspectos utilitários e
racionais, mas manter seus segredos que estimulem a imaginação e as emoções num processo
de mediação existencial
A imagem arquitetônica sugere ações e, consequentemente, estimula reações
corporais inseparáveis da experiência arquitetônica. O corpo aborda, confronta e se relaciona
com o edifício arquitetônico através de movimentos corporais, ao passo que a arquitetura
inicia, direciona e organiza o comportamento e o movimento. O espaço arquitetônico não é
um mero espaço físico, mas um espaço vivenciado que transcende a geometria e a
mensurabilidade.
A função atemporal da arquitetura é criar metáforas existenciais para o corpo que
concretizem e estruturem a nossa existência no mundo. A arquitetura reflete, materializa e
eterniza as ideias e imagens da vida ideal.
Uma experiência memorável de arquitetura funde as dimensões de espaço, matéria e
tempo em uma integridade que representa a nossa própria existência e nos reconcilia com o
mundo através dos sentidos.
TEXTO 03: PELLINI, J. Paisagens: Práticas, Memórias e Narrativas. Revista Habitus.
Goiânia. V 12. n° 1. P. 125-142. 2014
JOSÉ ROBERTO PELLINI é um professor visitante do departamento de sociologia e
antropologia da UFMG, possui mestrado(2000) e doutorado(2004) em arqueologia pela USP
e trabalha com Arqueologia da Paisagem e Arqueologia Sensorial.
Assuntos Centrais abordados no texto:
O assunto central abordado pelo texto trata a paisagem como uma apropriação
subjetiva que envolve-se em um somatório de sentidos, percepções, memórias e narrativas
construídas como forma de situar o lugar.
Um Mundo de Sentidos
Para melhor expressar o mundo dos sentidos, o autor narra uma experiência de um o
quarto do Hotel Riverside de Aracaju e sua relação construída com a praia foram capazes de
construir uma relação de afeto com o lugar.
Ao narrar a experiência de ida a praia, o autor descreve um processo que envolve a
imaginação como ato inicial, a sensação de temperatura e do vento, visão imaginando o
toque, tato através do toque, audição do som da água e gaivotas e o paladar da água do mar.
Movimento e Balanço
Dando continuidade à narrativa, o autor descreve que a percepção do corpo e do
ambiente se alteram na água do mar, fora da água existe o controle, e dentro tudo muda de
perspectiva, novos cenários são criados e o movimento das ondas impõe um ritmo diferente.
Memória e Imaginação
A percepção do autor sobre a praia remete às suas memórias de infância e a percepção
que ele tinha neste outro contexto. A imaginação de um fato é ativada por uma memória
afetiva.
Paisagem
Para Pellini, a Paisagem é uma estrutura dinâmica da qual fazemos parte envolvendo
três aspectos interligados: Prática, Memória e Narrativa.
PRÁTICAS: FAÇO E SINTO LOGO, EU SOU!
Segundo Bourdieu(2004) o Habitus é a prática do cotidiano em uma permanente
disposição encorpada, uma maneira de pensar, de estar, de olhar, de falar, de sentir e enfim,
de perceber.
Segundo Walter Benjamin(1995) a paisagem é apropriada pelos sensos, ou seja pelas
percepções através das práticas cotidianas.
Segundo Noe (2004) a percepção não é algo que acontece conosco, mas sim algo que
fazemos.
Conforme reiterado pelos autores, a visão de Pellini se pauta que nossas percepções
são construídas socialmente, condicionando nossas habilidades sócio-motoras.
MEMÓRIAS: LEMBRANDO NOSSAS LEMBRANÇAS
Segundo o autor, a memória consiste em um processo contínuo de construção
identitária e representação presente de algo que está ausente, em um processo ativo de
reconstrução de informações e estímulos que já foram vivenciados.
Ou seja, qualquer relação com o meio está diretamente afetada pela memória e a
percepção da paisagem nunca é uma questão fechada, mas é um processo que pressupõe a
incorporação de múltiplas temporalidades que têm diferentes ressonâncias no presente.
NARRATIVAS: PRECISO CONTAR PARA ALGUÉM
Para Chodorow (2004) existem dois processos psicanalíticos: a projeção e a
introjeção. Ambos são fundamentais no lidar com os objetos e aqui incluo as paisagens.
O processo de projeção se dá quando colocamos nossos próprios sentimentos e
crenças nos objetos. Chodorow (2004) salienta que precisamos projetar algo de nós mesmos
no outro a fim de nos reconhecermos, ou não através dele.
Enquanto a introjeção acontece onde elementos do objeto ou da paisagem são levados
para o eu.
Pellini defende que as narrativas não só permitem que o outro compartilhe a
experiência, como impede para que histórias ou relatos se tornem invisibilizados.
Sem narrativas, sejam elas histórias faladas ou relatos escritos, os objetos se tornam
virtualmente invisíveis dentro da sociedade.
A PRÁTICA ARQUEOLÓGICA E O CONCEITO DE PAISAGEM
Se considerarmos a paisagem como uma prática, uma memória e uma narrativa,
precisamos estar dispostos a experimentar o espaço em toda sua plenitude, até que este
espaço se torne uma paisagem para nós.
Precisamos estar sujeitos às práticas cotidianas, sejam de campo ou de qualquer outro
tipo, para que assim criemos memórias e narrativas sobre o lugar.
ARTICULAÇÕES E INTERSECÇÕES
O ponto de intersecção dos três textos é a sensorialidade tratada a partir do sujeito e
do corpo. Ao enxergar o sujeito como sempre ativo e predisposto à perceber, os autores
possuem influências fenomenológicas.
Em seu texto, Gernot Böhme (1993) nos traz o conceito de Atmosfera como
fundamental na fundação de uma “Nova Estética”, que é uma releitura da Estética vigente
mas que se ocupa da experiência, sobretudo sensível. Ela é uma teoria da percepção,
entendida como a experiência da presença de pessoas, objetos e ambientes. Inclui o impacto
afetivo do observado, a corporeidade. As atmosferas são o "objeto" primário da percepção.
Böhme fala da produção destas atmosferas como um fenômeno que relaciona o corpo,
o espaço e o objeto, bem como ao ambiente de qual este procede. Ele retrata que o objeto se
apresenta no espaço e tempo e torna a sua presença perceptível. Deste modo, o ambiente seria
uma resultante de um espaço contextualizado tanto pelas coisas quanto pelos corpos que os
ocupam e os percebem.
Atmosferas são aquilo que se experimenta pela presença corporal em relação com
pessoas e coisas ou com espaços. Podemos entender que o corpo experimenta um ambiente
através da sensorialidade que se constrói na relação entre corpo e ambiente.
No texto de Pallasmaa (2009) a sensorialidade é tratada a partir dos espaços
arquitetônicos, seja em fase de projeto ou por meio das experiências. Ao tentar romper com
hegemonia do sentido da visão na cultura ocidental, reverberada na arquitetura e nas cidades
contemporâneas, as quais o autor tece críticas pelo negligenciamento dos demais sentidos, o
autor advoga pelo tato, do qual derivam todos os demais sentidos, como sentido primordial
para a experiência e entendimento multissesorial dos espaços.
Com base na filosofia de Merleau-Ponty, Pallasmaa (2009) coloca o corpo como
centro da experiência. Para o autor toda experiência comovente com a arquitetura é
multissesorial, assim o espaço, matéria e escala são percebidos pelo corpo como um todo, por
meio de um conjunto sensorial que se interrelaciona.
Pallasmaa (2009) entende o corpo como campo de percepção dos sentidos. A partir do
momento em que o homem percebe os sentidos, assume sua posição como sujeito do espaço
arquitetônico, interagindo e relacionando-se com esse espaço de maneira a criar referências,
memórias e imaginações que o permitem integrar a sua individualidade com a sua
experiência de mundo.
Para Pellini (2014), percebemos o mundo ao nosso redor no decorrer de vivências
sensoriais, nas quais registramos na memória as emoções que emergem do processo desta
captação mediante estímulos acionados por meio de todos os nossos sentidos, principalmente
o tátil. Ao experimentarmos o lugar, as influências externas interferem nestas percepções e,
no ato de guardar na memória algo vivido hodiernamente, lembranças afloram e trazem o
passado fragmentado em recordações acionadas no presente.
Ao abordar enfoques perceptíveis e dinâmicos da interação do corpo no lugar, Pellini
(2014) ocupa-se da experiência, sobretudo sensível, que resulta deste encontro. Para ele, o
lugar ocupado precisa penetrar no corpo para que haja um reconhecimento baseado na
construção de experiências advindas desde a infância que, acionadas pela memória, ativam
“lembranças, imagens e emoções que afetam nossa relação com o entorno experimentado”
(Pellini, 2014, p. 135) e conferem forma e experiência única, mesmo que breve, à narrativa.
ALINHAMENTO COM AS PESQUISAS - ALUNOS DO PROARQ/UFRJ
Daniel Athias de Almeida - Doutorando
O texto fornece ferramentas para um entendimento dinâmico de paisagem, onde nós estamos
inseridos nela e a paisagem permanece em constante transformação. A metodologia
empregada para sua compreensão poderá ser aplicada como forma de aproximação da
paisagem estudada, e como estratégia para observar como os sujeitos da paisagem interagem
com ela.
Thiago dos Santos Rangel - Doutorando
Os textos em geral abordam bastante a questão do corpo no centro da experiência no
ambiente. O texto do Böhme, que fala sobre estética, levanta a questão da atmosfera como
algo relacional que envolve a corporalidade. Apesar disto, o conceito em si é bastante
abstrato e intangível. A partir disto, tento entender como o indivíduo interpreta estes espaços
intangíveis através das suas sensibilidades. Qual é a real função do corpo na interpretação do
ambiente? Qual seria a colaboração dos sentidos neste processo? É possível emular essas
sensações?
São questões que podem me ajudar a entender melhor os rumos da minha tese.
Raíssa Bezerra de Almeida Cruz - Mestranda
O foco da minha pesquisa no PROARQ/FAU/UFRJ tem como tema a importância da gestão
da qualidade e da organização do processo de projeto em arquitetura para a implantação do
BIM., tendo como objetivo elaborar diretrizes que possam orientar empresas de arquitetura a
organizar o seu processo de projeto para que seja possível uma implantação bem sucedida da
metodologia BIM.
O tema tem abordagem bastante tecnológica, porém a gestão de projetos e a implantação do
BIM ultrapassa os limites técnicos e assume princípios fenomenológicos ao implicar em
mudanças profundas na maneira de criar, forma de projetar, nos documentos gerados e, não
menos importante, no tipo de relacionamento estabelecido entre os indivíduos envolvidos no
processo. É uma mudança cara e complexa, que exige o domínio de sua tecnologia e um
envolvimento intenso e colaborativo de seus agentes, uma vez que os processos passam a ser
colaborativos. O BIM exige uma interoperabilidade não apenas entre sistemas, mas exige
uma compatibilidade de valores entre os colaboradores e o fomento de uma cultura de
confiança e expectativas mútuas, que instiguem a colaboração. Estamos falando que a
implantação do BIM é uma mudança que altera a percepção dos usuários em relação ao
ambiente organizacional, às relações de trabalho e ao processo de projeto, ou seja, ele
provoca nessa ambiência e na cultura organizacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOHME, Gernot. A atmosfera como conceito fundamental da nova estética. Blog do
LABENUS - Laboratório de Estudos de Teoria e Mudança Social, 2017. Disponível em:
https://blogdolabemus.com/2017/09/14/a-atmosfera-como-o-conceito-fundamental-da-nova-e
stetica-por-gernot-bohme/. Acesso em: 16 de jun. de 2021.
TEXTO 02: PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Artmed
Editora, 2009.
TEXTO 03: PELLINI, J. Paisagens: Práticas, Memórias e Narrativas. Revista Habitus.
Goiânia. V 12. n° 1. P. 125-142. 2014
Comments